quarta-feira, 9 de março de 2011

A FIGURA FOLCLÓRICA DA BAIANA NO CARNAVAL


            Muitos já se perguntaram: por que existe uma ala de baianas no carnaval carioca e no paulistano, se estamos geograficamente distantes da Bahia? Para tentarmos responder a essa questão, deveríamos nos reportar às origens do carnaval brasileiro nas suas diversas manifestações populares, especialmente entre as comunidades de escravos, nos ambientes rurais dos engenhos e nas senzalas. Mas o fato é que o carnaval não tem sua origem somente na cultura africana, mas é inegável a importante contribuição desta. No Brasil, um país miscigenado e formado por culturas múltiplas, temos um carnaval que consegue reunir os elementos do carnaval medieval veneziano com seus trajes exuberantes e suas máscaras divertidas, os ritos de pajelança das tribos ameríndias e as práticas de religiões afro-cristãs, frutos do sincretismo religioso que se formou no nordeste, em especial no estado da Bahia.
            A figura da baiana, cantada em verso e prosa por grandes artistas como Dorival Caymmi e Jorge Amado, constitui uma expressão inequívoca da cultura da Bahia, e em particular, da cidade de Salvador. Essa imagem tornou-se um ícone pitoresco, inconfundível da cultura popular e que, nas últimas décadas, passou a ser uma ala obrigatória nas escolas de samba.
            Estudiosos acreditam que a baiana representa, com seu visual forte e maternal, a mestiçagem do povo brasileiro, a religiosidade, a sensualidade e as tradições culturais que compõem o conjunto imagético da “brasilidade” aos olhos do resto do mundo. Não foi à toa que a “pequena notável” Carmem Miranda, portuguesa de nascença, difundiu a imagem do Brasil em trajes estilizados e caricatos de baiana, desenhados por ela mesma.
            Mas longe dos palcos dos cassinos e das telas hollywoodianas, a baiana, enquanto mulher, mãe e trabalhadora, é uma pessoa real, vendedora ambulante de acarajé e quindins que, das ruas da Bahia, migrou para o Rio de Janeiro e para São Paulo. Sua atividade como vendedora de quitutes era garantia de subsistência à família de baixa-renda, uma extensão da atividade doméstica de cozinheira às ruas por necessidade econômica. Segundo o etnólogo-fotógrafo francês Pierre Verger, especialista em cultura afro-brasileira, essa atividade ambulante já era exercida pelas antepassadas em países da África como Angola e Congo, locais de onde veio boa parte dos escravos no século XVIII. Como a maior parte era desembarcada na Bahia, o então centro econômico do Brasil, não é de se espantar que seja esse o local para o desenvolvimento dessas práticas populares, oriundas das tradições nagô-iorubá.
            Com o tempo, o que era uma necessidade familiar tornou-se uma onda folclórica com finalidades turísticas.  Em 1975, as vendedoras de acarajé e seus trajes típicos da etnia nagô-iorubá passaram a ser cadastradas pela prefeitura soteropolitana, cuja justificativa era “preservar os valores culturais”, aliada a uma preocupação com a higiene por parte dos órgãos públicos.
            Nos desfiles de escola de samba, a baiana é reverenciada com uma ala especial, dedicada às senhoras de mais idade, geralmente antigas participantes das comunidades, verdadeiros baluartes para as agremiações. A ala das baianas deve conter um número mínimo de setenta passistas, com o traje típico de saia rodada, para que a passista gire em torno de si mesma e forme um visual agradável de círculos rodopiantes. Obedecendo a esses critérios mínimos, os carnalavescos podem compor a ala segundo o enredo escolhido, acrescentando cores e adereços livremente.
            A presença de uma ala de baianas no carnaval valoriza as origens da cultura negra no Brasil e, ao lado de outras culturas – branca e indígena – sem dúvida compõem a genuína cultura brasileira, tão mesclada, que é praticamente impossível de ser imitada por outros povos.

[Texto escrito originalmente para uma revista de carnaval paulistana em 2007. Não foi aprovado pelo editor...]

Um comentário:

  1. Adorei o texto das baianas! Nunca tinha parado pra pensar nessa interpretação materna; justifica totalmente minha ternura pela figura baiana. Genial!

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