sábado, 12 de março de 2011

A PREPONDERÂNCIA DA FORMA NA ARQUITETURA: UMA QUESTÃO CONTORNÁVEL


 A atual cultura arquitetônica – digamos atual, especialmente após o advento do Modernismo – supervaloriza a forma, pois é este o princípio arquitetônico visível a todos: tantos aos leigos quanto aos especialistas. Nesse sentido, lembrar Vitrúvio é extremamente oportuno, uma vez que, segundo seus princípios, além da forma, a função e a construção realmente devem ser itens norteadores do projeto arquitetônico.
Para compreendermos melhor o processo que precede a elaboração do projeto, é necessário buscarmos alguns bons exemplos na História, independentemente de estilos e de estéticas. Um projeto, qualquer que seja ele, gótico, renascentista, maneirista, barroco ou mesmo moderno deve, pelo menos em tese,  ater-se aos princípios vitruvianos. É claro que inúmeros turistas vão à Europa conhecer de perto o Coliseu,  a Vila Rotonda, a Notre Dame, entre outros grandes monumentos, apenas pelo aspecto formal, desconhecendo sua história social, sua história estética e sua história construtiva. Mas, para o arquiteto, o projeto deve levar em consideração tais elementos num conjunto indissociável.
Lembremos, por exemplo, Le Corbusier que, a partir das formas da natureza – pinheiros de Faux-de-champs, folhas, conchas, caracóis – trilhou um caminho que o levaria a uma pesquisa estética que desembocaria no Purismo. Bebendo nas fontes clássicas, no Futurismo de Marinetti e no Cubismo de Picasso, elaborou o conceito de forma e de volumes puros. Obviamente, o problema da construção também o preocupou. Contando com o apoio de Miers Van der Rohe, buscou soluções estruturais do concreto armado para erguer as idéias formais apropriadas à sua capacidade inventiva e inovadora. A função também o preocupou, afinal, o espaço arquitetônico é feito para pessoas o ocuparem e o utilizarem da melhor maneira possível. Se não fosse tal preocupação, não teria construído habitações populares, além das famosas "villas". O uso interno do espaço também foi, para ele, uma questão premente: daí os estudos de ergometria que culminaram no famoso "modulor", além do apoio de sua equipe (Pierre Jeanneret e Charlotte Perriand) com o design de mobiliário. Mesmo assim, Le Corbusier sofreu críticas, porque a forma é o que fica exposto, como dissemos, aos olhos das pessoas em geral. Jane Jacobs foi sua maior crítica, por julgar suas grandes obras modernistas pouco práticas e, por vezes, tórridas em dias quentes. Neste sentido, a jornalista quis dizer que obra de Le Corbusier privilegiava a forma, apenas.
 Não queremos aqui corroborar a opinião de Jacobs, tampouco fazer crítica a LC, mas tentar buscar uma justificativa para a tamanha admiração da forma em detrimento da função e da construção.
Na história da arquitetura, há inúmeras outras obras que padecem do mesmo problema. O aspecto formal e o nome do criador são responsáveis pela "aura" que uma obra carrega em si. Se a obra de arte tem caráter aurático, no dizer de Walter Benjamim, não é diferente para a arquitetura, que, a nosso ver, é uma arte completa, que alia a arte e à técnica construtiva, a engenharia. Lúcio Costa define muito bem a arquitetura não só como forma, mas também por seus aspectos estruturais constritivos e seu uso no espaço urbano. Contudo, voltamos à questão: por que o engrandecimento da forma? Quem vai à Brasília espera ver a "beleza arquitetônica de Niemeyer", o planejamento urbanístico cai para segundo plano. Quem vai ao Masp, em São Paulo, espera ver, antes das exposições pictóricas que lá se encontram, o famoso vão livre. Poucos são aqueles que indagam o processo criativo e construtivo que Lina Bo Bardi utilizou em sua concepção. Ainda assim, o Masp impressiona por sua magnitude construtiva. O vão livre, um aspecto estético-estrutural, provoca comentários e admiração.
O mesmo poderia ser dito da cúpula de Brunelleschi, em Florença, na Itália, ou da torre Eiffel, em Paris, na França. Essas obras, embora impressionem pela forma, não foram construídas apenas  por isso. Elas tinham uma função específica num determinado momento histórico, para uma determinada sociedade.
Independentemente dos movimentos estéticos pelos quais a civilização ocidental tem passado nestes séculos, a arquitetura se faz necessária como fruto da congregação de função, forma e construção. Neste sentido, Vitrúvio é de extrema atualidade. Convém aos arquitetos serem os maiores responsáveis por essa valorização do todo e lembrarem-se disso no momento da concepção do projeto.


            [Texto com o qual fui aprovada na seleção para doutoramento em arquitetura. Favor não copiar: está registrado.]

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